Os
escândalos de corrupção que derrubaram a cúpula do Ministério dos Transportes
um ano atrás levaram o governo a tomar uma decisão radical: todos as obras
ferroviárias da Valec e as reformas de estradas federais tocadas pelo
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) só poderiam ser
licitadas se, antes, fosse contratado um projeto executivo de engenharia. A
intenção era, com esse estudo técnico (bem mais aprofundado que os projetos
básicos até então contratados), garantir uma licitação correta do
empreendimento, eliminando qualquer espaço para estouro de orçamento, pedidos
de aditivos e superfaturamento.
O Valor
teve acesso a seis auditorias realizadas este ano pelo Tribunal de Contas da
União (TCU) em contratações de projetos executivos de engenharia firmados com o
Dnit. As auditorias mostram que todos os estudos apresentam falhas grosseiras e
um conjunto de irregularidades que, pela natureza, não poderia ter ocorrido nem
mesmo nos tradicionais projetos básicos de engenharia.
O caso
mais gritante foi encontrado no projeto que prevê obras de revitalização em
218,5 quilômetros da BR-050, entre o município de Cristalina (GO) e a divisão
de Goiás e Minas Gerais. Pelo estudo, a obra tem preço estimado em R$ 130,9
milhões. As irregularidades aferidas pela auditoria do tribunal, no entanto,
apontaram que o projeto executivo embute um superfaturamento superior a R$ 50
milhões. Na realidade, o custo do empreendimento não deveria ultrapassar R$ 81
milhões. Na lista dos erros há problemas como superestimativa de serviços
necessários, não utilização de fontes de brita e areia próximas à obra, compra
de cimento asfáltico acima do previsto, entre outros.
Como
medida preventiva, o TCU determinou a suspensão da licitação da obra, até que o
Dnit esclareça a situação. "Nos vários pontos abordados pela equipe de
fiscalização, há elementos suficientes para justificar receio quanto à
impendente lesão significativa ao erário, caso a concorrência prossiga da forma
como foi concebida", diz José Múcio Monteiro, ministro relator do
processo.
Outra
situação grave foi encontrada no projeto executivo da BR-135, no Maranhão. A
rodovia, que começa na capital São Luís e segue até Belo Horizonte (MG), é a
única ligação rodoviária da capital maranhense com o restante do país. Para dar
jeito num trecho de 199,3 km de asfalto castigado pelo fluxo intenso de cargas
que passa pela região, o Dnit contratou um projeto executivo, o qual concluiu
que seria necessário gastar R$ 207,4 milhões na obra. O levantamento feito pelo
tribunal, no entanto, apontou deficiências capazes de gerar prejuízo de R$ 30,8
milhões aos cofres públicos.
Os
problemas identificados pelo TCU geraram uma situação inédita no órgão de
controle. Até então, as auditorias só haviam encontrado falhas em estudos
básicos de engenharia. Os contratos firmados no fim do ano passado pelo Dnit,
no entanto, evidenciaram que, seja básico ou executivo, os projetos continuam a
apresentar irregularidades de toda ordem. "Chama a atenção a
multiplicidade de falhas grosseiras identificadas nas fiscalizações",
comenta o ministro relator do processo sobre a BR-135, Augusto Nardes.
Somados
os seis projetos de obras do Dnit analisados pelo tribunal (ver quadro), os
empreendimentos teriam um custo total de R$ 867,2 milhões para os cofres
públicos. A correção dos apontamentos, no entanto, pode levar a uma redução
total de R$ 120,6 milhões, queda de 14% sobre o preço original estimado.
A adoção
de projetos executivos passou a ser defendida insistentemente pelo governo como
a saída para os problemas que travam as obras do país. A determinação, que
começou pelos empreendimentos do Ministério dos Transportes, acabou expandida
para a maior parte das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC),
orientação feita pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior. A exigência
prévia dos estudos avançados também passou a ser critério de licitação no
Ministério das Cidades, que controla as obras de mobilidade da Copa do Mundo de
2014, entre outros grandes empreendimentos de logística nos grandes centros
urbanos.
"Essa
situação verificada agora pelo TCU deixa claro que a origem do problema não
está na nomenclatura que damos para um projeto. Na realidade, não importa se
ele é básico ou executivo, o que importa é que ele tenha qualidade e que atenda
às exigências legais", diz Carlos Campos, coordenador de infraestrutura
econômica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O Dnit
foi procurado pelo Valor para se posicionar sobre os problemas, mas não se
manifestou sobre o assunto até o fechamento desta edição. Nas seis auditorias
realizadas pelo TCU, a autarquia vinculada ao Ministério dos Transportes
garantiu que acatará as recomendações recebidas e que fará as adequações
necessárias para que as obras, finalmente, saiam do papel.
Em
recente entrevista ao Valor, o diretor-geral do Dnit, Jorge Fraxe, afirmou que
o órgão vai tomar medidas para restringir a participação em licitações de
empresas sem qualificação para elaborar esses estudos. O modelo de contratação
dos estudos - hoje realizado sob a modalidade de técnica e preço - será alterado,
para apertar o filtro de companhias que assumem os projetos. Nos últimos cinco
meses, o Dnit enviou cerca de 40 notificações para empresas exigindo a revisão
do material entregue. A autarquia começou a punir companhias por
irregularidades e, com apoio da Controladoria-Geral da União (CGU), abrirá
processos de inidoneidade contra aquelas que não cumprirem os contratos.
Fonte: Valor Econômico