A redução
da Cide para neutralizar o impacto do reajuste dos combustíveis pela Petrobras
compromete mais de R$ 7 bilhões em investimentos na área de transportes e
colocou em estado de alerta os governos estaduais, que já mobilizaram suas
secretarias de infraestrutura e estudam uma forma de recompor a perda de
arrecadação com o tributo.
Com duas
quedas sucessivas, em menos de oito meses, a alíquota da Cide - sigla para
Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - saiu de R$ 0,23 por litro de
gasolina e de R$ 0,07 por litro de óleo diesel para zero. Os recursos vão obrigatoriamente
para investimentos em transportes. Do total, 29% engordam o caixa dos Estados.
Em 2011,
a arrecadação da Cide alcançou R$ 8,9 bilhões. Com as duas reduções de
alíquotas, a receita com o tributo deve ficar em pouco mais de R$ 2,4 bilhões
neste ano, segundo a Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias
(Aneor). O montante corresponde ao total arrecadado até junho, quando a Cide
foi zerada. A entidade calcula um "rombo" de R$ 7,4 bilhões, dos
quais R$ 1,4 bilhão tinham como destino o caixa dos Estados.
"Isso
nos causou uma surpresa enorme e representa uma mudança das regras no meio do
jogo", diz o secretário de Infraestrutura e Logística do Paraná, José
Richa. Nas contas dele, haverá um desfalque de R$ 109 milhões só neste ano, com
a redução da Cide. Para demonstrar a importância do tributo, Richa destaca que
o plano de investimentos em conservação de rodovias estaduais previa o
desembolso de R$ 840 milhões no biênio 2012-2013, que fica comprometido se a
alíquota for mantida em zero.
"É
uma medida que nos atinge em cheio", lamenta o secretário paranaense, que
precisa administrar uma malha de 12 mil km de estradas. Ele diz que conversará
com a bancada do Estado no Congresso para estudar uma reação. "Fizemos o
nosso orçamento contando com esses recursos. Os editais já foram lançados, as
licitações estão em andamento."
O
secretário de Infraestrutura e Logística do Rio Grande do Sul, Beto
Albuquerque, ressalta que o repasse da Cide é uma das principais fontes para
garantir os investimentos no plano rodoviário 2011-2014 do Estado. As outras
são financiamentos do BNDES e do Banco Mundial. O plano prevê desembolsos de R$
2,6 bilhões.
Com a
súbita interrupção de repasses da Cide, a partir de julho, Albuquerque calcula
uma perda de R$ 250 milhões até o fim de 2014. Para ele, houve uma
"decisão unilateral" e "sem nenhum diálogo", o que requer a
mobilização dos secretários estaduais nos próximos dias. "Não é uma
benevolência do governo federal [o repasse da Cide]. Não somos contra buscar
uma fórmula que evite o aumento dos combustíveis nos postos, mas isso poderia
ser feito de outra forma."
Em tese,
o Ministério dos Transportes é quem mais perde recursos com a queda na alíquota
da Cide. No entanto, como a execução orçamentária da pasta tem sido baixa neste
ano, o impacto acaba sendo pouco relevante no curto prazo. Até o dia 22 de
junho, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) havia
pago R$ 3,44 bilhões - nos seis primeiros meses de 2011, tinham sido
desembolsados R$ 5,92 bilhões. Nada impede que o governo libere mais recursos
para o Ministério dos Transportes a fim de recompor as perdas de receita com a
Cide, mas isso vai exigir certo relaxamento fiscal, na avaliação de fontes da
iniciativa privada.
"Não
havendo garantia de recursos, não há planejamento de longo prazo nem certeza de
continuidade dos investimentos", diz o presidente da Aneor, José Alberto
Pereira Ribeiro. Ele foi um dos empresários que mais se empenharam pela criação
da Cide, em 2002, com receitas vinculadas ao orçamento dos transportes. "O
que vemos agora é um retrocesso de dez anos", afirma.
Ribeiro
diz que a redução das alíquotas para zero foi um "ippon" para as
empresas de obras rodoviárias.
"Temos hoje o maior endividamento da
história do setor", comenta. Segundo ele, as empreiteiras investiram na
compra de equipamentos, preparando-se para um aumento orçamentário que era tido
como irreversível. No entanto, a crise do Dnit e a troca de comando na
autarquia provocaram atrasos nas licitações e problemas para o fechamento de
novos contratos.
Mas essas
são questões conjunturais e a redução da Cide para zero, segundo o presidente
da Aneor, pode comprometer a retomada dos investimentos mais adiante. "Dos
54 mil quilômetros de rodovias federais, só 6 mil quilômetros estão cobertos
atualmente por contratos de manutenção", diz Ribeiro. O programa do Dnit
que visa licitar contratos com cinco anos de duração para manter 32 mil
quilômetros da malha ainda não deslanchou, devido a problemas com os estudos
que a administração atual atribui à gestão anterior.
Fonte: Valor Econômico