Os trabalhadores dos portos articulam paralisações e até uma greve de
âmbito nacional contra a medida provisória que altera as regras do setor. O
primeiro passo será dado hoje, com a provável declaração de estado de greve
por trabalhadores vinculados à Força Sindical, que congrega sindicatos com
presença em Santos (SP). No dia 21, federações de portuários ligadas à
Central Única dos Trabalhadores (CUT) decidem se cruzam os braços contra a MP
595, editada em dezembro.
O empresário Jorge Gerdau foi acionado pelo Palácio do Planalto para
acalmar a iniciativa privada, que também reagiu mal ao pacote do governo. Na
semana passada, ele se encontrou com representantes de importantes
associações do setor, como ABTP (operadores de terminais portuários) e
Abratec (operadores especializados em contêineres).
Apesar da proximidade com a presidente Dilma Rousseff, Gerdau não
ficou satisfeito com o pacote e deverá costurar uma proposta conjunta com os
empresários para modificar o texto da MP 595, que recebeu 645 emendas
parlamentares. O líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), é o
nome mais cotado para assumir a relatoria da medida provisória. Isso indica o
grau de atenção dado pelo Planalto à tramitação no Congresso.
Enquanto trabalhadores e empresários aumentam a pressão, o
ministro-chefe da Secretaria de Portos, Leônidas Cristino, já trata de
esfriar as expectativas por alterações. Ele disse ontem ao Valor que
"não é razoável mudar a essência" da MP. "Podemos melhorar
alguns pontos e aceitar novos artigos, aperfeiçoar a redação, mas há pontos
importantes que não podemos mudar", afirmou Cristino. "O que for
para melhorar, nós aceitaremos. Se for para modificar a essência, aí fica bastante
complicado", agregou.
A "essência" mencionada pelo ministro é justamente o ponto
mais polêmico da MP: a liberação de novos terminais privativos, sem
restrições para a movimentação de cargas de terceiros - ou seja, que não a
empresa responsável pela construção do empreendimento. Antes, havia a
necessidade de carga própria para justificar o investimento e apenas o
residual podia ser destinado a terceiros. A única condição é que os terminais
privativos fiquem fora dos portos organizados.
"A MP pode destruir os portos brasileiros e precarizar a mão de
obra", reclamou o presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira
da Silva (PDT-SP). Ele teme uma concorrência desequilibrada entre terminais
privativos e terminais públicos (operados por empresas que pagam arrendamento
ao governo e são obrigadas a contratar trabalhadores organizados). "É um
modelo que não existe em nenhum lugar do mundo", afirmou o deputado.
Sindicatos ligados à central de Paulinho fazem uma mobilização hoje,
na Câmara dos Deputados, cobrando mudanças na MP 595. A tendência é declarar
estado de greve. Em seguida, têm audiência marcada com o presidente do
Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). "A ideia é ter um calendário de
manifestações e até de paralisações", comentou.
O presidente da Federação Nacional dos Portuários (FNP), Eduardo
Guterra, também se opôs à medida provisória e reclamou da falta de diálogo
com o governo. "A nossa atuação se restringiu ao cumprimento dos prazos
para apresentar sugestões de emendas", observou. Para ele, a MP tem
brechas que permitem a privatização das Companhias Docas e privilegia os
terminais privativos, que não precisam contratar trabalhadores do Órgão
Gestor de Mão de Obra (OGMO), entidade que gere o fornecimento de
trabalhadores avulsos para as operações portuárias.
As federações do setor vinculadas à CUT decidem, no dia 21, se iniciam
uma onda de paralisações. "Está na pauta uma greve de âmbito
nacional", adiantou Guterra. "A MP, do jeito que está, pode levar
os portos a um monopólio privado", disse o sindicalista.
O movimento grevista tem o apoio tácito de uma parte do empresariado.
A visão de alguns representantes da iniciativa privada é que, apesar dos
prejuízos imediatos, as paralisações podem chamar a atenção para a tramitação
da MP. Outros, no entanto, discordam. "O pacote do governo reativou o
instinto animal dos trabalhadores", disse um operador portuário do
Nordeste, ao lembrar que a situação no setor estava calma e não houve nenhuma
greve no passado recente.
Uma das principais queixas de operadores de terminais públicos é que
eles pagam arrendamento às Docas e precisam devolver suas instalações ao fim
dos contratos. Já os terminais privativos não recolhem nada à União e, pela
MP 595, podem ter suas autorizações de funcionamento renovadas ilimitadamente
e sem a necessidade de reverter as instalações ao patrimônio público.
Eles são responsáveis, no entanto, por todo o investimento na
construção dos terminais - o que envolve desde a compra do terreno até as
linhas de transmissão que fazem a energia chegar até lá. Os terminais
públicos arrendados à iniciativa privada estão dentro dos portos organizados
e usam a estrutura fornecida pelas Docas, como canais de acesso e obras de
dragagem.
Gerdau, segundo interlocutores, pode encaminhar mudanças no texto
original da MP como o estabelecimento de prazos para os terminais privativos
e a reversibilidade dos bens. Isto é, pontos que evitam mudanças na
"essência" da medida provisória.
Leônidas Cristino combate os argumentos de que a MP criou
desequilíbrios no setor e favoreceu terminais privativos. "Os terminais
públicos vão continuar crescendo. Vamos melhorar a gestão das Docas e fazer
grandes licitações de arrendamentos dentro dos portos organizados."
Para o ministro, a tramitação da MP dará oportunidade ao governo de
responder às dúvidas dos empresários. "Queremos mostrar a importância
das medidas anunciadas e como elas podem destravar investimentos. Vamos
colocar com muita clareza o que nós planejamos", disse Cristino. Ele
reagiu com irritação à possibilidade de greve. "Não compreendo o porquê
desse tipo de ação", lamentou o ministro.
Com a volta do recesso parlamentar, o primeiro passo na tramitação da
MP é a formação de uma comissão mista, com integrantes da Câmara dos
Deputados e do Senado, para apreciar o texto enviado pelo governo, que prevê
investimentos de R$ 54 bilhões, até 2016/2017, com o pacote de portos. Isso
deve ser feito logo após o Carnaval, com a designação dos parlamentares e a
escolha, logo em seguida, do presidente e do relator da comissão.
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Fonte.: Valor Econômico
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