Nada
escapa do raio de visão desses fiscais, que trabalham noite e dia, sem
intervalo nem para o cafezinho, esquadrinhando cada centímetro de sua área de atuação.
Não é à toa que eles, totalizando menos de 100 vigilantes eletrônicos em toda a
Belo Horizonte, já aplicaram mais multas este ano que a soma de seus 714
“colegas” de carne e osso. Uns flagram motoristas em excesso de velocidade;
outros fotografam condutores que ignoram o sinal fechado; os demais, os
apressadinhos que invadem a faixa de ônibus.
Considerando
apenas dados processados pela BHTrans, que excluem vias como o Anel Rodoviário,
a BR-356 e a Linha Verde, o domínio da fiscalização eletrônica é flagrante. No
primeiro semestre, 63,5% das infrações foram registradas pelos 97 olhos
biônicos espalhados pela cidade, enquanto a fiscalização humana, que deveria
vigiar os demais 240 tipos de irregularidades previstas no Código de Trânsito
Brasileiro (CTB), responde por pouco mais de 30% das estatísticas.
A
realidade escondida por trás desses números – que mantêm a arrecadação de
multas em alta – é a precária fiscalização de regras de circulação, como
conversões proibidas, fechamento de cruzamentos e paradas em fila dupla. E sua
consequência imediata: um trânsito caótico. Para especialistas, o predomínio da
fiscalização eletrônica em BH reflete uma dificuldade clara no tráfego da
capital: criar mecanismos que inibam motoristas mal-intencionados, que agem se
aproveitando de brechas nas ruas e avenidas da cidade.
“O radar
normalmente não pune o condutor que sabe onde o aparelho está, a não ser por um
descuido. Esse motorista respeita os limites naqueles locais, mas sabe que não
vai ser pego por cometer outros tipos de deslizes”, avalia o mestre em
engenharia de transportes pelo Instituto Militar de Engenharia do Rio de
Janeiro (IME) Paulo Rogério Monteiro.
Segundo
ele, essa situação é gerada pela falta de pessoal que dê conta de infrações que
a vigilância eletrônica não fiscaliza, e também pela mistura de órgãos
envolvidos na gestão do tráfego em Belo Horizonte. “O que temos é a junção de
atribuições civis e militares no controle do trânsito. O problema é que cada um
tem uma função, e isso atrapalha o sistema”, acrescenta o especialista.
Atualmente,
a capital conta com militares do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran) e da
Guarda Municipal com bloco e caneta nas mãos. São 456 agentes da PM, mas eles
devem fiscalizar também o transporte clandestino, montar operações da Lei Seca,
conferir emissão de poluentes, entre outras atribuições. No fim das contas,
sobram 162 policiais exclusivamente para o trânsito. Da Guarda Municipal são
258 pessoas. Ainda atuam nas ruas 413 agentes da BHTrans, que desde 2009 estão
impedidos pela Justiça de multar.
Não é
difícil conferir nas ruas o resultado dessa equação. Na última sexta-feira, a
equipe do Estado de Minas flagrou infrações diversas: motoristas falando ao
celular, sem cinto de segurança, fazendo conversões proibidas, entrando pela
contramão para ganhar tempo, entre outros excessos. Tudo longe dos olhos
eletrônicos e mais distante ainda da visão dos fiscais.
Bloco do
apito - Apesar dos abusos, dados da PM mostram que vem aumentando o número de
autuações feitas por militares. Em 2010, foram quase 180 mil, enquanto em 2011
esse número saltou para cerca de 197 mil. De janeiro a setembro deste ano, o
total passou de 210 mil. Já as multas anotadas por guardas municipais vêm
caindo. Enquanto no ano passado a média mensal fechou em 11,9 mil autuações, em
2012, até setembro, a média caiu para 10,7 mil por mês. Para o gerente de
Atividades Especiais da Guarda, major Ailton de Pádua Vieira, essa queda é
explicada pelas obras na cidade. “As intervenções nos obrigam a colocar os
guardas para dar prioridade à fluidez do tráfego, com menos oportunidade de
fiscalizar os infratores”, argumenta.
O
tenente-coronel Roberto Lemos, comandante do BPTran, diz ser impossível ter uma
atuação melhor que os radares e repete que os agentes da PM não conseguem estar
em toda a cidade. “O radar sempre vai multar mais, porque fica 24 horas por dia
naquele ponto. Nossa atuação dá prioridade aos pontos mais críticos, como a
área central e corredores. Temos usado até agentes do setor administrativo para
tentar diminuir os abusos.”
Apesar de
apenas três tipos de irregularidades dominarem o ranking das infrações e todas
elas serem flagrados pelos radares, o presidente da BHTrans, Ramon Victor
Cesar, sustenta que essas três irregularidades são tratadas como prioridade
dentro da estratégia da empresa municipal. “Conter o excesso de velocidade e o
avanço de semáforo é crucial para evitar acidentes e salvar vidas. Há estudos
que comprovam que a redução da velocidade é decisiva, por exemplo, para
diminuir a severidade dos ferimentos em atropelamentos. E fiscalizar o avanço
de faixa de ônibus é importantíssimo dentro da política de favorecimento do
transporte público.”
Fonte.: Estado de Minas