A entrada
em vigor da chamada Lei do Motorista, que limita as jornadas de trabalho dos
condutores de caminhão no Brasil, obrigou os empresários do setor logístico a
rever suas planilhas de custos. Um levantamento feito pelo Departamento de
Custos Operacionais e Pesquisas Técnicas e Econômicas (Decope, da Associação
Nacional de Transporte de Cargas e Logística), sugere reajustes que beiram os
30%.Nas cargas lotação, o reajuste recomendado é de 28,92%, no transporte de
contêineres, de 27,28% e, no transporte rodoviário internacional, de 29,32%.
Apenas o custo das cargas fracionadas teve recomendação de reajuste menor, de
14,98%.
O
presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no
Estado do Rio Grande do Sul (Setcergs), José Carlos Silvano, observou que, além
do custo representado pela necessidade de contratação de mais motoristas e do
peso representado pelo alargamento dos prazos de entrega, o setor ainda leva em
conta o custo de transferência das cargas para caminhões menores – já que é
crescente o número de municípios que restringem o trânsito das grandes carretas
nos centros urbanos – e a necessidade de adaptar a estrutura de apoio das
empresas para que os trabalhadores possam fazer as paradas de descanso.
“O
Setcergs orienta as empresas associadas para que cumpram a lei, mas alerta para
o impacto que ela tem nos custos e nos prazos. Existe a necessidade de repassar
essa elevação, que precisa ser encarada como um custo social para essas medidas
que, no final das contas, visam à redução de acidentes. Temos que pagar para
ter mais infraestrutura. Nossa campanha, junto às empresas, é para que sejam
entendidas as necessidades de reajustes nos fretes”, afirmou.
As
empresas do Rio Grande do Sul estimam que a redução da quilometragem rodada por
mês, em função da aplicação da lei, terá como consequência direta o alargamento
dos prazos de entrega em aproximadamente 56%. No caso das cargas fracionadas, a
estimativa é de que o número de viagens por mês seja reduzido, em média, em
36,7%.
A
Associação Nacional de Transporte de Cargas e Logística (NTC & Logística)
recomenda que as empresas passem a aplicar dois reajustes anuais, como forma de
minimizar o impacto do aumento de custos. Porém, o coordenador da Comissão de
Equilíbrio Concorrencial do Setcergs, Jaime Krás Borges, afirmou que é
perceptível a rejeição do mercado a essa postura. “A maioria dos clientes quer
aumentos anuais e não aceita reajustes maiores, principalmente nesse momento de
crise mundial”, observou.
O receio
do sindicato gaúcho é de que a omissão das empresas associadas com relação ao
aumento dos custos – que pode ser percebido pela falta de reajustes ou em
reajustes menores do que o índice necessário – possa comprometer o equilíbrio financeiro
e gerar sérios problemas no futuro.
Por outro
lado, o presidente do Setcergs, disse ver com bons olhos algumas medidas
negociadas para contrapor esse aumento de custos. “São medidas necessárias para
ir, aos poucos, arrumando a casa, que está uma bagunça”, disse Silvano. Segundo
ele, o setor conquistou a desoneração para os profissionais autônomos e negocia
a redução de custo da folha de pagamento das empresas – nos mesmos moldes
obtidos pela indústria: trocar a tributação de 20% sobre o custo da folha por
1% sobre o faturamento. Os motoristas autônomos, que pagavam Imposto de Renda
sobre 40% do faturamento passarão a pagar sobre 10%.
O que a
Lei determina
A Lei
12.619, assinada pela presidente Dilma Rousseff no dia 2 de maio de 2012,
entrou em vigor no dia 17 de junho. Porém, foi dado um prazo de seis meses para
que as autoridades definissem os locais de parada – uma vez que a maior parte
das estradas brasileiras não possui estrutura suficiente. A legislação
determina um limite de oito horas à jornada de trabalho, com a possibilidade de
duas horas extras por dia, além de estabelecer um descanso mínimo de 11 horas
ininterruptas entre as jornadas.
O
descumprimento da lei é uma infração de trânsito, punida com multa de R$ 127,69
e perda de cinco pontos na carteira de habilitação, mas tem também reflexo nas
relações trabalhistas.
MPT
programa operação Jornada Legal para o dia 30 de outubro
O
procurador do Trabalho Eduardo Trajano dos Santos afirmou que uma operação
nacional de fiscalização está programada para o dia 30 de outubro. De caráter
repressivo e com o apoio da Polícia Rodoviária Federal, a operação Jornada
Legal do Ministério Público do Trabalho vai verificar o cumprimento da Lei do
Motorista e aplicar as penalidades trabalhistas cabíveis – no caso dos
motoristas empregados. Santos lembra que houve a suspensão da aplicação de
multas de trânsito por 180 dias pela necessidade de o poder público definir os
locais de descanso – já que a lei determina paradas de meia hora a cada quatro
horas de trabalho e um descanso de 11 horas entre duas jornadas.
“Mas, na
questão do cumprimento da jornada máxima de oito horas, com no máximo duas
horas extras por dia, a lei segue plenamente em vigor e as empresas precisam
ter o controle de forma fidedigna”, ressaltou o procurador. A operação será
feita em uma cidade de cada estado brasileiro – mas ainda não há definição de
onde ela acontecerá no Rio Grande do Sul.
Santos
lembrou que o texto original da lei previa que as concessionárias que
administram as rodovias deveriam construir os locais de descanso (com pátios de
estacionamento compatíveis com o fluxo de carga em cada trecho e alojamentos
equipados com banheiros e dormitórios de acordo com as exigências
trabalhistas). Porém, essa determinação acabou derrubada e a resolução 417 do
Conselho Nacional de Trânsito (publicada em 13 de setembro) diz que é o próprio
poder público quem deve definir os locais adequados de parada.
“Foi dado
o prazo para que os ministérios do Trabalho e dos Transportes definissem os
locais de parada para que se pudesse começar a fazer a exigência. Onde não há
locais adequados, esses órgãos devem determinar as providências para que fossem
construídos”, detalhou Santos. Ele afirmou, ainda, que a procuradoria tem
conduzido investigações no Estado e percebe que há receptividade às mudanças.
Segundo
ele, muitas empresas já assinaram Termos de Ajustamento de Conduta em que se
comprometem com a adoção de controles de horários. As resistências, detalhou,
são encontradas nas negociações feitas com os caminhoneiros autônomos, já que
muitos possuem “agregados”, mas querem manter seu diferencial de não precisar
controlar o horário de trabalho. Santos avalia que a lei foi inteligente e
sábia ao determinar o tempo de direção para todos os motoristas e atrelar essa
determinação a uma infração de trânsito. “Em tese, os autônomos são os que
tiveram o maior aumento de custos, porque, por uma questão de segurança das
cargas, muitas empresas já tinham horários de trabalho controlados.”
Limitação
de período de trabalho agrava a escassez de motoristas
No início
de outubro, o Sindicato dos Empregados no Transporte Rodoviário de Carga Seca
do Estado do Rio Grande do Sul (Sinecarga) recebeu cartazes de uma única
empresa de transporte anunciando a abertura de 150 vagas para motoristas de
caminhão. Esse é só um sinal da carência do setor por novos profissionais.
Estimativas
das empresas transportadoras indicam que 30% dos trabalhadores ativos
atualmente no País estão em fase pré-aposentadoria ou já se aposentaram.
“Tivemos um boom de transporte rodoviário nos anos 1970 e boa parte dos
profissionais de hoje foram formados naquela época. Desses, 95% não têm o
primeiro grau completo”, afirmou o presidente do Sindicato das Empresas de
Transporte de Cargas e Logística no Estado do Rio Grande do Sul (Setcergs),
José Carlos Silvano.
Segundo
ele, a formação de novos motoristas não atende sequer à expansão da frota,
estimada em 150 mil caminhões por ano. Com a entrada em vigor da Lei do
Motorista, algumas empresas chegam a projetar a necessidade de dobrar o número
de motoristas contratados.
De acordo
com o presidente do Sinecarga, Paulo Back, as vagas tendem a abrir primeiro
para as rotas de longa distância – porque, além dos impactos da Lei do
Motorista, esses roteiros, que demandam longos períodos fora de casa, são os
mais rejeitados pelos profissionais. “O que defendemos é que se faça, através
do sistema S, uma escola de motoristas. Isso está faltando. Hoje os Centros de
Formação de
Condutores (CFC) não formam motoristas para caminhões de 32
toneladas.”
Segundo
Back, a questão vem sendo discutida há dois anos, e já surgiram algumas escolas
privadas que, afirma ele, não conseguem atender à demanda e ofertar a carga
horária prática necessária para formar um bom motorista. “Não adiantam cursos
de 40 horas. É preciso uma formação longa, de seis meses a um ano, com teoria e
prática. Já conquistamos o apoio dos fabricantes de caminhão para isso”,
afirmou.
Para
Sinecarga, falta instrumento para controlar tempo de trabalho
O
controle das jornadas de trabalho na estrada esbarra na dificuldade do controle
fidedigno. Quem faz o alerta é o presidente do Sinecarga, Paulo Back. “Esse
controle eletrônico, com autorização do Ministério do Trabalho e Emprego, ainda
está sendo desenvolvido”, afirmou ele, lembrando que o instrumento legalizado é
o tacógrafo. Porém, Back avalia que esse instrumento de registro é incoveninete
para o controle da jornada.
O motivo
é que não há a identificação do motorista no disco de papel onde são gravadas
as informações. “Teria que trocar de disco a cada troca de motorista, mas as
empresas não são acostumadas a trocar. Se não houver uma regulamentação, o
estabelecimento de regras para o uso, o tacógrafo não vai funcionar para
controlar as jornadas de trabalho”, explicou.
Os
sindicatos dos trabalhadores têm sugerido o uso de papeletas, diários de bordo
e folhas-ponto, preenchidas pelos motoristas e assinadas pelos supervisores nos
pontos de parada. O método, porém, tem encontrado rejeição por parte das
empresas, já que um controle desse tipo - com papel - implicaria na necessidade
de aumentar expressivamente o número de trabalhadores nos departamentos de
recursos humanos.
“O
controle é de interesse dos motoristas. Agora, a lei diz que a empresa tem de
pagar horas extras para quem dirigiu mais de oito horas num dia. Ninguém pagava
isso porque havia o entendimento de que o trabalho do motorista era externo. O
que, na prática, não é verdade, já que há um controle minucioso dos horários de
embarque e desembarque das cargas. E esse controle é feito pelo embarcador,
pela indústria.
O motorista acabava sendo obrigado a viajar 17 horas e o grande
espírito da lei é cortar esse negócio, porque trabalhar 17 horas, descansar
duas e voltar para a estrada não tem sentido”, argumentou Back.
A
assessoria de imprensa do Ministério do Trabalho e Emprego afirmou que a
fiscalização é feita em todo o País de forma compartilhada com as autoridades
de inspeção do trabalho (auditores-fiscais do Trabalho) e com as autoridades de
trânsito.
Dificuldades
são maiores para autônomos e pequenas empresas
O
presidente do Sinecarga, Paulo Back, diz que o maior problema para o
cumprimento da Lei do Motorista são os trechos de longa distância. Segundo ele,
essas rotas são feitas, na maioria das vezes, por empresas pequenas ou por
autônomos que, por relação direta ao faturamento, têm menos condições de criar
seus próprios pontos de apoio ao longo do caminho. Só no Estado, a estimativa é
de que existam 120 mil autônomos e 50 mil empregados nas transportadoras.
“Muitas empresas grandes já vinham se adequando ao controle de jornada desde
2003 ou de 2005, quando a lei começou a ser negociada. As empresas que oferecem
serviço de rapidez estão adequadas. Essas grandes empresas fazem as pontes
entre Porto Alegre e o Sudeste (Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro) e
montam pontos de apoio no caminho, normalmente em Santa Catarina”, afirmou ele.
O líder
sindical explicou que, nesses pontos, o motorista entrega o caminhão a outro
profissional que completa a viagem e, ali, faz seu descanso até pegar outro
caminhão para conduzir de volta ao Rio Grande do Sul. Segundo Back, a parada de
30 minutos a cada quatro horas é fácil de cumprir. Porém, o descanso de 11
horas ininterruptas é mais difícil, já que os postos de gasolina normalmente
exigem alguma contrapartida do motorista e não possuem áreas de estacionamento
com capacidade para receber muitos veículos de grande porte ao mesmo tempo.
O
presidente do Sinecarga avalia que, com isso, se cria uma situação
especialmente difícil para as empresas que possuem até dez caminhões e não
conseguem ter seus próprios pontos de apoio. Já o presidente da Federação dos
Caminhoneiros Autônomos dos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina
(Fecam), Éder Dal’Lago, diz que vê muita dificuldade no cumprimento da lei
pelos caminhoneiros que trabalham em rotas distantes do Centro do País. Segundo
ele, os motoristas gaúchos normalmente fazem ligações do tipo
Uruguaiana–Fortaleza. “Não há lugar para estacionar e não dá para cumprir o
horário de descanso. Já viu alguém descansar 11h dentro do caminhão?” E
argumenta que os horários de sono menores, com oito horas de parada, são
compensados pelos períodos de até uma semana em que ele fica em casa esperando
o dia de carregar.
Fonte.: Jornal do Comércio/RS