A
cobrança eletrônica de pedágio, que o governo de SP vai implantar nas rodovias
privatizadas, levará milhões de motoristas a pagar para circular até nos
entornos das cidades, onde as estradas são usadas como vias urbanas.
Entre os
trechos de tráfego urbano que serão pedagiados estão, por exemplo, aqueles que
ligam a capital paulista ao aeroporto de Cumbica (rodovia Ayrton Senna), a São
Bernardo (Anchieta) e a Cotia (Raposo Tavares).
Hoje,
eles não têm praças de pedágio, mas o deslocamento gratuito vai acabar por
conta da instalação dos pórticos ao longo da via, que vão ler chips nos carros
para fazer a cobrança.
No teste
que está sendo feito na SP-75, entre Indaiatuba e Campinas, há um pórtico a
cada 8 km. Com esse intervalo, as vias serão praticamente 100% pedagiadas.
A
implantação da cobrança, planejada para 2013 ou 2014, vai depender de um
cálculo político difícil para o governador Geraldo Alckmin (PSDB): se, por um
lado, o sistema é mais justo e permite reduzir a tarifa, por outro, vai cobrar
de muito mais gente.
Nem a
Artesp (agência de transportes do Estado) nem as concessionárias sabem quantos
usam as rodovias sem pagar. O único estudo feito -e sempre citado como
parâmetro- na Dutra, uma via federal, apontou que só 9% dos carros pagam
pedágio.
Se o
percentual for parecido nas vias estaduais, com o chip, deve multiplicar por
dez o número de carros tarifados -foram 790 milhões em 2011.
"O
ponto crítico, não tenho dúvida, é quem não paga e passará a pagar",
afirma Karla Bertocco Trindade, diretora-geral da Artesp. Para ela, porém, o
Estado não pode dizer "você paga e você não". "A questão é:
usou, pagou."
Haverá
impacto em dois casos: em rodovias que são vias urbanas ou metropolitanas e em
ligações entre cidades onde hoje não há cabines.
Na
primeira, estão os exemplos acima e outros, como o da rodovia Dom Pedro 1º, que
liga Campinas a três shoppings, condomínios, à Unicamp e à PUC Campinas.
Na
segunda, os trechos entre São Carlos e Araraquara (Washington Luís) e Limeira e
Piracicaba (Anhanguera).
Em todas
as rodovias, porém, haverá um "perde e ganha": alguns usuários pagarão
menos e outros, que não pagam, passarão a pagar.
Um
exemplo claro é a própria SP-75. Entre Indaiatuba e Campinas há uma praça, que
cobra R$ 10,10.
Com os pórticos, o valor cai para R$ 4. Na via, porém, quem
roda entre Indaiatuba e Sorocaba não paga hoje, mas vai pagar.
Rota de
fuga - Nos trechos urbanos, um efeito colateral deve ser a criação de
"rotas de fuga". "Será um 'problemaço' porque o motorista
tentará fazer sua rota por dentro da cidade", diz Horácio Augusto
Figueira, consultor em transportes.
Para ele,
que é favorável à cobrança por trecho "sob o ponto de vista da
justiça", o aumento das rotas de fuga pode ser impedido se o preço por km
rodado for baixo.
Ele cita
o Rodoanel, que custa R$ 1,50 no trecho oeste. "As pessoas estão fugindo
do Rodoanel? Não, cada dia tem mais movimento."
Usuários
da rodovia Dom Pedro 1º já criticam a mudança. A pesquisadora da Unicamp Ana
Lúcia Pinto mora em Campinas e percorre 13 quilômetros da rodovia para
trabalhar todo dia.
"Acho
o ponto a ponto justo, mas o uso em trecho urbano, na cidade, não acredito que
deva ser cobrado."
O
analista de sistemas André Wohlers usa a via duas vezes por semana, entre
Campinas e Mogi Mirim. "Não tem justificativa a cobrança atingir áreas
urbanas", afirmou.
O
pesquisador Antonio Augusto, também da Unicamp, se diz favorável. "O
pedágio é um mal necessário. Sou contra o preço abusivo, mas, se for
proporcional, acho correto".
Instalação
de chip terá que ser obrigatória - A iniciativa paulista de implantar o pedágio
eletrônico pode ser facilitada com a obrigatoriedade da colocação de TAGs
(chips) no país, prevista pelo Conselho Nacional de Trânsito para janeiro de
2013.
O mesmo
TAG que será usado no Siniav (Sistema Nacional de Identificação Automática de
Veículos) pode servir para a cobrança do pedágio eletrônico.
O Siniav
vai rastrear a frota, identificar carros roubados, furtados e sem
licenciamento, além de mapear o tráfego. Não se sabe quanto custará o TAG.
Um dos
problemas no Estado será a fiscalização, já que não há barreira física para
impedir a passagem de carros.
Porém, os
pórticos devem ter leitores de placas, que flagrarão veículos sem chip. Passar
pelo pedágio sem pagar rende multa de R$ 127 e cinco pontos na carteira. Os
pedágios poderão ser pagos por meio de boleto, cartão de crédito, débito em
conta ou no sistema pré-pago.
Governo
diz que negociará 'pontos críticos' - Já enfrentando uma pequena
"romaria" de prefeitos e entidades que estão fazendo pressão contra a
cobrança por km rodado no Estado, o governo diz estar aberto a negociações em
torno dos chamados "pontos críticos".
"O
que não pode é não fazer [a cobrança eletrônica] por conta disso", afirma
Karla Bertocco Trindade, diretora-geral da Artesp.
Entre as
alternativas citadas por ela estão ajudar prefeituras a construir vias
marginais para trânsito local, isentar a cobrança dentro dos limites do
município e até repassar a gestão de trechos das rodovias para as prefeituras.
"O
correto mesmo é o prefeito fazer uma via alternativa para quem for andar dentro
do município. Não tem dinheiro? Ok, então o senhor mantenha essa que eu já
fiz."
Para ela,
a ampliação da base de pagantes, além de mais justa, vai permitir a redução das
tarifas e propiciar mais investimentos, inclusive em marginais e vias
alternativas nas cidades.
Outro
ganho é o fim das cabines de cobrança, que viram obstáculo ao tráfego,
principalmente em feriados.
Segundo
ela, a ideia é que, até o final do ano, a Artesp já apresente ao governador um
projeto de implantação em todo o Estado.
A ideia é
começar em 2013, mas 2014 é ano de eleição para o governo e Alckmin será
candidato -uma eventual nova tarifa pode causar efeito negativo na campanha.
Para
Moacyr Servilha Duarte, presidente da ABCR (Associação Brasileira das
Concessionárias de Rodovias), cobrar pedágio nunca é simpático. "O
governador tem consciência de que é um problema político que tem de ser
enfrentado", diz.
A
ampliação de pagantes não significará mais lucro a concessionárias, já que elas
são remuneradas por km.
A arrecadação seria destinada a obras e à redução da
tarifa.
Fonte: Folha de s.Paulo