terça-feira, 26 de junho de 2012

Lei, greve e chuva travam cargas no país


A nova lei que regulamenta a profissão dos caminhoneiros deve aumentar em 20% o custo do transporte rodoviário, responsável por movimentar 58% de tudo o que o Brasil produz, na avaliação de empresários do setor.

Na mesma semana em que as regras entram em vigor, outros dois obstáculos afetam a movimentação de cargas.

Um deles é a greve de auditores fiscais da Receita, que entrou ontem no quarto dia e emperra a liberação de mercadorias, principalmente na Zona Franca de Manaus e em Foz do Iguaçu.

Enquanto esperam resposta do governo ao pedido de reajuste, os auditores passam pente-fino em todos os produtos de exportação e importação, mesmo naqueles que, em condições normais, só seriam submetidos a checagem de documentos, e não à conferência física.

A greve não afeta ainda os portos de Paranaguá e Santos, mas isso porque os navios estão impedidos de descarregar sua carga, por causa do clima chuvoso, incomum para esta estação.

Com o tempo instável, os porões não podem ser abertos, sob pena de estragar as mercadorias. Em decorrência, os portos contabilizam filas recordes e algumas empresas já desistem de encomendas, porque não podem arcar com os custos da espera.

Se por um lado a greve e as chuvas atrapalham a movimentação de cargas por tempo determinado, a nova lei dos caminhoneiros deve provocar uma mudança histórica no transporte rodoviário, afirmam especialistas.
Ela institui descanso mínimo obrigatório para os motoristas, o que deverá tornar evidente a precariedade da infraestrutura do país, hoje camuflada pelas sobrejornadas ao volante.

Fiscais seguram cargas em protesto - Em seu 4º dia, operação-padrão de auditores da Receita causa transtornos no país; empresas preparam ações judiciais

Categoria reivindica reajuste de 30% no salário e estima prejuízo de R$ 150 mi ao dia para o governo

A operação-padrão dos auditores fiscais da Receita Federal, que entrou ontem no quarto dia, continua causando transtornos à movimentação de cargas em portos e alfândegas pelo país.

A categoria reivindica reajuste de 30,18%. O governo, segundo o Sindifisco, não fez nenhuma proposta até agora. O governo pode deixar de arrecadar R$ 150 milhões por dia, estima o sindicato. A Receita não confirma.

Para José Augusto de Castro, diretor da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), a greve ainda aumenta custos para o exportador, que pagará mais para guardar produtos no porto. Também há o risco de parar linhas de produção e a possibilidade de perder o cliente que espera a mercadoria.

Os auditores fiscais estão passando pente-fino em todas as cargas dos canais amarelo e vermelho de exportação e importação -produtos que necessariamente passam por checagem de documentação, mas nem sempre pela conferência física da carga.

As empresas já preparam ações judiciais contra o governo para pedir a liberação das cargas retidas, de acordo com o Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam).

"Essa é uma medida preventiva para quem não pode ficar sem os insumos", afirmou o advogado Felippe Breda, do escritório Emerenciano, Baggio e Associados.

Em Foz do Iguaçu (PR), onde está o segundo maior porto seco do país, a fila de caminhões que aguardam o despacho ultrapassa a capacidade do local. Até ontem à tarde, havia 845 caminhões no pátio, que tem capacidade para cerca de 750.

Em Paranaguá (PR), a greve ainda não afetou significativamente a movimentação de mercadorias por causa das chuvas, que têm impedido o embarque e o desembarque.

Greve dos auditores - Reivindicações: reajuste de 30,18%; recomposição de funcionários; melhoria nas condições de trabalho; adicional para zonas consideradas inóspitas.

O que a receita oferece: ainda não há proposta

Categoria: 11,5 mil auditores fiscais em todo o país

Nova regra mudará setor, diz empresário - Para especialistas, infraestrutura precária ficará evidente e país terá que encontrar soluções para escoar produto

Empresas de transporte já começam a negociar aumento no preço; clientes falam em procurar alternativas

A lei para o controle das jornadas dos caminhoneiros tornará mais clara a precariedade de portos, terminais e estradas do país. Segundo especialistas, as excessivas jornadas ao volantes, agora proibidas, camuflavam os problemas de infraestrutura.

A longa espera nos terminais de carga e descarga, ou os congestionamentos, era compensada em parte nas jornadas de até 20 horas.

As primeiras negociações com clientes para revisar o valor do frete já foram abertas, diz Dirceu Capeleto, dono da transportadora Bergamaschi, uma das maiores do país.

A nova lei obriga todos esses profissionais, contratados, comissionados ou autônomos, a ter 11 horas de descanso a cada 24 horas.

As 13 horas restantes devem ser divididas entre o trabalho, as refeições e um descanso, também obrigatório, de 30 minutos a cada quatro horas ao volante.

A missão de fiscalizar será da Polícia Rodoviária Federal. Mas há um componente da lei que pressiona a própria transportadora a exigir o cumprimento das regras.

Numa eventual ação trabalhista, é a empresa que terá de provar que o funcionário não excedeu a jornada. Isso só será possível pelos instrumentos de medição dos caminhões, como o tacógrafo.

Representante de 70% do agronegócio da soja, produto que depende das rodovias para ser escoado, a Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) admite que a nova lei vai encarecer o frete rodoviário.

Na internet - Análise Lei deve estimular transportes ferroviário e hidroviário, avalia o consultor Luiz Fernando Alves Ferreira

Para motoristas, descanso será impossível - Veto de Dilma Rousseff pode impedir o cumprimento da regra que exige que o caminhoneiro pare 30 minutos após dirigir por quatro horas.

A presidente vetou o artigo que exigia a construção de bases de apoio em estradas, sob argumento de que a exigência não estava incluída nos contratos de concessão e de que, nas estradas administradas por governos, as PPPs (Parcerias Público Privadas) não são adequadas para fazer obras pequenas, como as bases de descanso.

O Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga de São Paulo disse que o veto torna inviável o cumprimento do descanso. "Onde o caminhoneiro pode estacionar o caminhão? Na estrada não pode. Nos postos ele é obrigado a consumir algo. O veto inviabiliza a aplicação dessa regra", diz Norival Silva, presidente do sindicato.

Caberá à Polícia Rodoviária fiscalizar a nova lei. Ao ser flagrado, o caminhoneiro receberá multa de R$ 127 e cinco pontos na carteira.

Fonte: Folha de S.Paulo