sexta-feira, 26 de julho de 2013

Governo prefere ferrovias e transporte fluvial fica estagnado


O desenvolvimento das hidrovias no Brasil está em uma encruzilhada. Empresários se interessam em investir no setor e planejam aumento expressivo de seu uso, o que poderia eliminar pelo menos 450 mil viagens de grandes caminhões nas congestionadas estradas brasileiras em 2016. Para empresários e especialistas em logística, os rios são ótimas alternativas para escoamento, sobretudo, da alta produção de grãos. Mas o governo afirma que o segmento não é prioritário e prefere focar na construção de ferrovias — algumas seguem o trajeto de rios que poderiam ser navegáveis com obras de eclusas e dragagens.

Se fizesse a opção pelos rios, dizem os especialistas, o País deixaria de desperdiçar, no mínimo, R$ 3,7 bilhões por ano, a logística seria mais eficiente, barata e ecologicamente correta. Mesmo com o Brasil atrasado décadas na comparação com outros países, autoridades do setor veem as hidrovias como auxiliares. “Hidrovia não é uma solução estrutural para o transporte brasileiro, não temos um rio como o Mississippi. No Brasil, as hidrovias são muito periféricas, não passam por grandes centros produtores ou consumidores. A prioridade é criar uma malha ferroviária mais robusta”, afirma Bernardo Figueiredo, presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), responsável pelo novo modelo de transportes do País.

Ainda que a hidrovia não seja o foco, o governo estuda uma inédita concessão à iniciativa privada para tornar o rio Tocantins navegável. Segundo Figueiredo, o projeto deve ser concluído até o fim do ano. A proposta é criar uma concessão administrativa. Ou seja, em vez de cobrar pedágio das barcaças, a empresa privada assume obras e faz a manutenção da hidrovia. Em contrapartida, recebe pagamento do governo pelo trabalho executado. Este projeto-piloto poderá incentivar soluções parecidas para as demais hidrovias, consideradas prioritárias pelo governo, nos rios Madeira/Amazonas (Norte), Tietê-Paraná (Sudeste/Paraná), Lagoa dos Patos (RS), São Francisco (Nordeste) e Tapajós, entre Miritituba e Santarém, no Pará.

Mas Figueiredo não dá muitas esperanças a quem imagina um programa mais ousado, como a ampliação da hidrovia do Tapajós até o Mato Grosso, o maior produtor nacional de grãos. “Temos que ver o custo-benefício. No caso, já planejamos uma ferrovia entre Cuiabá e Santarém”, afirma, lembrando que o governo tem dificuldades de incluir as obras das eclusas em hidrelétricas futuras. “O custo destas eclusas não pode entrar no total da hidrelétrica, que é a base da tarifa da energia. Estamos conversando com a EPE (Empresa de Planejamento Energético), mas ainda não temos uma solução.”

Renato Casali Pavan, presidente da consultoria Macrologística, lembra que a opção pelos rios geraria uma economia de R$ 3,7 bilhões por ano, considerando-se apenas o Tocantins (R$ 1,7 bilhão) e o Jurena-Tapajós (R$ 2 bilhões). Para isso, seriam necessários R$ 9 bilhões em investimentos, incluindo as eclusas das novas hidrelétricas para tornar estes rios navegáveis até o Mato Grosso. Mas fontes do setor e do governo alertam que a possível concorrência entre modais — benéfica para os usuários do transporte — é um dos pontos que sempre atravancam as hidrovias. No caso das hidrovias amazônicas, há quem tema perda de competitividade da ferrovia Norte-Sul e do prolongamento da estrada de ferro da ALL até Rondonópolis (MT).

Por isso, a eclusa de Tucuruí, em Tocantins, quase não foi usada, mesmo após ser concluída com 20 anos de obra e custo de R$ 1 bilhão. O rio não está navegável o ano todo pela necessidade de dragagem no Pedral do Lourenço, que custa R$ 600 milhões. “Os governos sempre optaram por um modal em vez de investir em vários, criar uma rede de transporte. Não haverá competição: as hidrovias serão fundamentais para produtos de baixo valor agregado e com prazo de transporte, como é o caso das commodities, as ferrovias serão para bens de médio valor agregado e as rodovias, para cargas regionais, urgentes e produtos refrigerados, por exemplo”, afirma Pavan. O especialista conta que foi procurado por grupos holandeses e noruegueses, além de brasileiros, interessados no setor.

Wilen Manteli, presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), vê retrocesso. “Estamos andando para trás. Há 50 anos o Rio Grande do Sul tinha 1.200 quilômetros de hidrovias, hoje são apenas 800 quilômetros, porque uma dragagem de um trecho de míseros 1.500 metros está atravancada há 12 anos pelo governo estadual”. Manteli também afasta o risco de concorrência entre os modais. “O Mississippi, por exemplo, é gerido por agência mista e incentiva a criação de empresas e de cargas. Assim, não rouba a carga de outros meios, a carga é nova.”

O superintendente de Navegação Interior da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Adalberto Tokarski, é otimista. Diz que a iniciativa privada faz sua parte e o transporte de soja vai crescer. “Em 2016, o Madeira pode levar 4,5 milhões de toneladas de soja, contra 3 milhões deste ano. 

O Tapajós, a partir de Miritituba, e o Tocantins poderão chegar a 3 milhões e 6 milhões de toneladas”. 

No Tietê, o avanço esperado é de 6 milhões de toneladas para 12 milhões. No total, a carga desses quatro rios passará dos nove milhões de toneladas para 25,5 milhões até 2016. Serão menos 450 mil caminhões com 37 toneladas de soja cada nas estradas.

São Paulo investe no modal e já prevê a criação de um hidroanel na capital

Enquanto no Norte do País a soja e o milho forçam os investimentos em hidrovias, em São Paulo o rio Tietê começa a ter cargas diversificadas. Antes mais restrito ao transporte de areia, o Tietê agora já é o caminho de escoamento para grãos, etanol, cana e celulose. E, neste ano, a cerâmica usará suas águas como canal. Casemiro Tércio, diretor do Departamento Hidroviário do Estado de São Paulo, diz que o órgão, em parceria com a União, está expandindo a hidrovia do estado, hoje com 800 quilômetros, em mais 250 quilômetros.

Os investimentos para eliminar gargalos consomem R$ 700 milhões e reduzirão a travessia do estado para quatro dias, contra os atuais cinco. “Nosso sonho é de que os empresários levem em conta o rio na hora de pensar no transporte de suas cargas. Tanto é assim que estamos planejando criar quatro terminais públicos no rio.” São Paulo também deverá ter a primeira hidrovia metropolitana do País depois da revitalização dos 50 quilômetros navegáveis no Tietê e no Pinheiros. A hidrovia ganhará mais 14 quilômetros com uma nova eclusa. A prioridade será para carga pública, como resíduos, rejeitos de dragagem e lodo sanitário, mas poderá transportar passageiros pela represa Billings.

Há quem veja possibilidade de um hidroanel em São Paulo, ligando 170 quilômetros de rios navegáveis que circundam a capital paulista. O professor Alexandre Delijaicov, da FAU- USP, participa de um projeto que pode revolucionar as hidrovias paulistanas. “O uso dos rios favorece sua conservação, cria uma consciência ecológica, integra melhor a cidade”, diz, lembrando que o projeto prevê décadas para ser implementado.

O advogado José Mário da Silva afirma que o Brasil poderia ter muito mais. “Há estudos que indicam que, com a construção de canais curtos, poderíamos ligar a Bacia Amazônica, via rio Madeira, à Bacia do Prata, criando um corredor fluvial entre Buenos Aires e Belém. Silva reconhece que isso é um sonho distante e que o maior sucesso será na área de grãos. “A Companhia Docas do Pará projeta um terminal de grãos nas cercanias de Belém, que será o maior do País, superior a Santos e Paranaguá. Não dá para duvidar do interesse e da viabilidade das hidrovias.”

O presidente da Confederação Nacional do Transporte, senador Clésio Andrade (PMDB-MG), acredita que o Brasil seria outro se já tivesse investido no passado em hidrovias, como fez a maioria dos países desenvolvidos. Em muitos casos, diz, falta planejamento. “A construção da eclusa depois das hidrelétricas encarece as obras, chega a custar o dobro”, afirma. Andrade lembra que um estudo da CNT indica a necessidade de investimentos de R$ 500 bilhões no transporte nacional, sendo R$ 50 bilhões para hidrovias.

Estado precisa de investimentos e sonha navegar na lagoa Mirim
No Rio Grande do Sul, o sistema hidroviário é formado pela Lagoa dos Patos, Guaíba e rios Jacuí e Taquari, somando um total de 1,2 mil quilômetros de extensão. Ele é mal aproveitado por falta de sinalização suficiente e de investimentos em terminais. Além disso, o assoreamento reduziu a extensão utilizada para cerca de 800 quilômetros. O resultado de anos de descaso é que apenas 4% da movimentação de carga do Estado é feita pelas hidrovias - fundamentalmente celulose, fertilizantes, grãos e derivados de petróleo.

A solução apontada pelos especialistas para o modal superar os obstáculos e crescer é fazer investimentos pesados em novos terminais, dragagens e ampliação de horizontes, como o aproveitamento da lagoa Mirim, a base da chamada hidrovia do Mercosul. Esse projeto prevê a ligação de Montevidéu a São Paulo. Com um investimento calculado em R$ 15 milhões para a dragagem de cerca de 20 quilômetros da lagoa Mirim, ela se torna navegável e permite que as embarcações entrem no canal de São Gonçalo e lagoa dos Patos para chegar, pelo rio Taquari, até o porto de Estrela. Nesse ponto haveria uma conexão com a ferrovia para movimentar cargas até São Paulo.

Em fevereiro de 2012o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Secretaria Estadual de Infraestrutura e Logística e a Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH) anunciaram em entrevista coletiva a modernização da hidrovia Uruguai-Brasil em seus aspectos técnicos de dragagem, sinalização, balizamento e instrumentação. Essas ações seriam desenvolvidas pela Administração de Hidrovias do Sul (AHSul) e pela SPH.

O projeto de R$ 270 milhões tem a meta de desenvolver o tráfego hidroviário gaúcho aumentando o transporte de cargas das 6 milhões de toneladas atuais ao ano para 17,5 milhões em um prazo de cinco anos. O projeto prevê a recuperação do parque de dragagem da SPH; a dragagem, sinalização e balizamento dos rios Jacuí, Taquari, Gravataí, Sinos, Caí, Guaíba, lagoa dos Patos, lagoa Mirim, rio Jaguarão; acessos aos futuros terminais portuários de Guaíba, Tapes, Palmares do Sul e outros portos hidroviários que o estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental venha a apontar como necessários.

Além disso, também está prevista a construção de terminais de contêineres nos portos de Estrela, Porto Alegre e Rio Grande, todos eles dedicados à navegação interior, o que modernizaria a modalidade de transporte de cargas no Rio Grande do Sul.

Apesar da demora na execução dos projetos e de todas as dificuldades, o porto da Capital fechou o primeiro semestre de 2013 com movimentação de carga 23% maior do que no semestre passado. 

Conforme a SPH, até o final de junho, circularam pelo cais Navegantes quase 460 mil toneladas de produtos, 85,3 mil toneladas a mais do que no mesmo período d2e 2012, quando a movimentação chegou a 373,3 mil.

Fonte.: Jornal do Comércio/RS